Caminhamos aos passos, binariamente, o que nos leva a supor que raciocinamos aos pedaços. Ainda que não seja assim - já que somos capazes de imaginar totalidades - nosso pensamento é também binário: qualquer afirmação supõe negação. O que afirmamos, em qualquer circunstância, somente terá sentido se suposta/pressuposta essa negação. Por exemplo, bem e mal, sim e não, morto e vivo etc.
Embora o cérebro humano seja maravilhoso, a alusão a algo positivo dentro de si supõe, inevitavelmente - afirmo outra vez -, sua negação e vice-versa. Chove/ não chove, belo/feio, agora/ ontem ou amanhã. Haverá sempre inúmeras hipóteses de negação do que afirmarmos, desde o gênero de cada coisa ou situação às suas inúmeras espécies, multiplamente.
Os pensamentos são livres - Die gedanke sind frei -, como diz uma linda canção, anônima, cantarolada seguidamente na Alemanha. Uma canção do século XVIII, embora nada de novo afirmasse. Pois o velho Cícero já ensinava, em seu Pro Milone, que liberae sunt nostrae cogitationes, exatamente o que cotidianamente repetimos.
Disso ninguém duvida, mas o que nos limita é o fato de o nosso pensamento ser binário. E mais, como dizia o velho Shakespeare, a existência de mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia...
Aquela conhecida canção de John Lennon é um grito de esperança. Imagine que algum dia estejamos todos juntos, o mundo sendo um só. Você poderá dizer que John é um sonhador, mas ele espera que então você se junte a todos e o mundo seja um só.
Um dia lá em cima virá, acontecerá a suprassunção das oposições entre sim e não, chove/não chove, belo/feio, agora/ ontem ou amanhã, morto e vivo, o bem e o mal! Nem uns nem outros existirão, apenas o todo.
Não sei como expressar o que desejo dizer. Limito-me a ser ainda (por enquanto) um simples ser humano, tal e qual tu que me lês. Tento fazê-lo recorrendo a Ferdinand Tönnies, quando afirma que os seres humanos coexistem, concomitantemente, em dois planos - em comunidade (Gemeinschaft) e em sociedade (Gesellschaft). A vontade espontânea, instintiva, orgânica em nós - comunitária, percebem? - e a arbitrária, exercitada desde a ideia de cada um para si e por si quando na outra.
Um dia, lá em cima - a verdadeira Gemeinschaft, será? se permitirem que eu me repita, talvez - um dia lá em cima acontecerá a suprassunção da oposição entre o bem e o mal. Nem um nem outro a nos conformar. Ao superarmos o raciocínio binário, seremos eternos lá no todo? Espero que sim, mas isso, cá entre nós, por enquanto, pouco significa. Relembrando a Tabacaria do Álvaro de Campos, não sou nada, não posso nem mesmo querer ser nada!